Policial

'Faria Lima investe no Nordeste para lavar dinheiro', diz secretário

Titular da Segurança Pública do estado, Chico Lucas afirmou ao GLOBO que ação é 'marco histórico' e demonstra 'pela primeira vez' ligação do maior centro financeiro do país com fraudes na região






O secretário de Segurança Pública do Piauí, Chico Lucas, afirmou que a Operação Carbono Oculto 86, deflagrada nesta quarta-feira pela Polícia Civil do estado, demonstra pela primeira vez a ligação de braços do PCC (Primeiro Comando da Capital) na Faria Lima, maior centro financeiro do país, com investimentos ilegais no Nordeste.

A ação policial apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro do PCC (Primeiro Comando da Capital) em postos de combustíveis nos estados nordestinos do Piauí e Maranhão, além do Tocantins, situado na região Norte do país.

Conforme a investigação, os estabelecimentos são ligados a empresários locais e operadores financeiros citados na Operação Carbono Oculto, deflagrada em São Paulo, pela Polícia Federal, em agosto.

Segundo as investigações, o grupo utilizou empresas de fachada, fundos de investimento e fintechs para fraudar o mercado de combustíveis e movimentar cerca de R$ 5 bilhões. Ao menos quatro empresários e 70 empresas estão entre os alvos da ação policial. Ao todo, 49 postos foram interditados e, segundo a SSP-PI (Secretaria de Segurança Pública do Piauí), foram apreendidos imóveis, uma aeronave, veículos de luxo e ativos financeiros.

As investigações foram iniciadas após a venda da rede de postos de combustíveis "HD", um conglomerado com unidades no Piauí, Maranhão e Tocantins, em dezembro de 2023. A compradora foi a empresa Pima Energia e Participações, criada apenas seis dias antes da realização do negócio. A polícia apontou inconsistências patrimoniais, alterações societárias e empresas criadas com endereços na Avenida Paulista (SP).

— A origem dos recursos era estranha, de São Paulo, e os proprietários eram de lá. Havia um receio de que a origem fosse ilícita, mas não havia certeza. Com a deflagração da Carbono Oculto em São Paulo e a certeza que esses recursos eram originários do PCC, identificamos que os atores envolvidos lá eram os mesmos das operações no Piauí — explica Chico Lucas. — Essa operação é um marco histórico, porque é a primeira vez que nós tivemos um braço financeiro do PCC, a Faria Lima, investindo no Nordeste para lavar dinheiro.

Segundo o secretário, as investigações demonstraram que, a partir do Piauí, estava sendo montada "uma grande rede de distribuição de combustível adulterado" para todo o Nordeste. Na rodovia entre a capital Teresina e a cidade de Altos, os policiais chegaram a uma distribuidora de combustíveis construída pelo PCC para auxiliar nas fraudes.

— Isso traz prejuízos extremos. Primeiro aos clientes, entregadores e motoristas de aplicativos, pessoas que vivem do transporte, comprando uma quantidade menor do que paga, e com uma qualidade inferior. Os concorrentes também são prejudicados, os demais postos, porque não têm como competir com pessoas que fraudam e deixam de pagar os tributos.

Saiba quem são os alvos
Dentre os principais alvos, estão Haran Santhiago Girão Sampaio e Danillo Coelho de Sousa, antigos proprietários da rede "HD", segundo a Secretaria de Segurança Pública do Piauí. Denis Alexandre Jotesso Villani, empresário paulista vinculado à Rede Diamante, e Rogério Garcia Peres, gestor da Altinvest, também aparecem como suspeitos de envolvimento no esquema bilionário. O GLOBO não conseguiu contato com as defesas, e o espaço segue aberto.

Segundo as autoridades, há mais de 70 empresas envolvidas de forma direta e indireta com o PCC investigadas nesta fase da operação. As principais são:

_ Pima Energia Participações: Holding criada dias antes da compra da Rede HD;
_ Mind Energy Participações: Segunda empresa utilizada para transferência de parte das unidades vendidas, também sediada em São Paulo;
- Rede Diamante: Nova bandeira assumida por 12 postos no Piauí e Maranhão;
- Altinvest: Gestora com sede em São Paulo, fundada em 2022, suspeita de atuar na captação de recursos, comprar empresas e movimentar dinheiro do PCC;
- Copape: Produtora de gasolina paulista apontada como uma das peças centrais no esquema de adulteração de combustíveis do PCC; refinaria teve sua autorização revogada pela Agência Nacional do Petróleo ano passado, devido a irregularidades técnicas;
- Duvale Distribuidora de Petróleo: Distribuidora que também chamou a atenção da Polícia Federal por passar de uma "empresa falida" com "faturamento nulo", em 2020, a um negócio altamente rentável, de R$ 2,79 bilhões, em 2021.

A polícia investiga os crimes de lavagem de dinheiro, com o uso de fundos e holdings para ocultação de capitais; fraude fiscal e manipulação de notas fiscais com emissão de notas frias; adulteração de combustíveis e associação criminosa com associação ao PCC.

Conforme a SSP-PI, o esquema movimentou ao menos R$ 300 milhões de forma ilegal somente no estado, com evasão tributária e "desorganização do mercado de combustíveis, com concorrência desleal".

Carbono Oculto em SP
Em agosto, uma megaoperação com cerca de 1.400 agentes foi deflagrada em São Paulo para combater um esquema bilionário do PCC no setor de combustíveis. Segundo as investigações, entre 2020 e 2024, empresas formuladoras de combustível ligadas à facção importaram R$ 10 bilhões em nafta, hidrocarbonetos e diesel, usando dinheiro ilegal da facção. Essas empresas sonegavam impostos — que totalizaram R$ 8,67 bilhões — e também adulteravam combustíveis distribuídos nos postos.

Ainda de acordo com as investigações, as lojas de conveniência e as administradoras desses postos, além de padarias, também participavam do esquema. Mais de mil postos em dez estados eram usados pela organização criminosa.

De acordo com a Receita Federal e o MPSP (Ministério Público de São Paulo), tratava-se de um esquema complexo com várias frentes, que começava nas usinas sucroalcooleiras e na formulação de gasolina e diesel, e seguia com um esquema de ocultação de dinheiro por meio de fintechs e fundos de investimento. Durante a operação, a polícia fez buscas na Avenida Faria Lima, centro financeiro de São Paulo.

Dos 350 alvos da primeira fase da operação, 42 estavam na Faria Lima, incluindo fundos de investimento, gestoras e corretoras, além de fintechs. Entre as empresas investigadas estava a Reag Investimentos, gestora independente de recursos com ações negociadas na B3. Em seu site, a Reag se define como a maior gestora independente do Brasil (sem ligação com bancos), com R$ 299 bilhões sob gestão. Por ter suas ações negociadas na B3, a gestora garante seu compromisso com a transparência.

Segundo a Receita Federal, pelo menos 40 fundos de investimentos, com patrimônio de R$ 30 bilhões, eram controlados pelo PCC. De acordo com o órgão, as operações de lavagem de dinheiro aconteciam justamente no mercado financeiro paulista, através de membros infiltrados na Faria Lima. (Com O Globo)