Política e Transparência

Câmara diz que Zambelli não deve escapar de multa sobre devolução de imóvel

Foragida no exterior, deputada licenciada não devolveu imóvel onde vive sua família no prazo previsto






A estratégia dos advogados de Carla Zambelli (PL-SP) de buscar isentá-la de multas e indenizações por não devolver o apartamento funcional da Câmara dos Deputados no prazo limite, que expirou no último dia 4, com base em supostas benfeitorias bancadas pela parlamentar licenciada, esbarra no regramento da própria Casa – e não deverá ter êxito.

A data-limite para a entrega das chaves se deu exatamente 30 dias após o afastamento da parlamentar ser oficializado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), como define um ato de 2011 da Casa.

Desde então, em tese, a deputada do PL estava sujeita a uma multa no valor do auxílio moradia (R$ 4.253) e a uma indenização de R$ 283,53 por dia de ocupação irregular descontados na folha de pagamento.

A defesa de Zambelli, foragida da Justiça no exterior há mais de um mês, vinha negociando junto à Quarta Secretaria da mesa diretora – a quem cabe a administração dos apartamentos funcionais através da Cohab (Coordenação de Habitação da Câmara) – condições para a entrega “amigável” do apartamento na Asa Sul, bairro nobre de Brasília, onde vivem seu filho, João, e sua mãe, Rita.

A isenção das multas seria justificada pela alegação de que ela “realizou melhorias” nas instalações, além do fato do deputado Coronel Tadeu (PL-SP), que assumiu a vaga de Zambelli na Casa e teria preferência para ocupar a unidade, já declarou que pretende ficar hospedado em um hotel em Brasília.

Procurada pela equipe do blog, a assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados informou que não há essa previsão.

“Não é possível isentar a multa pelo atraso na devolução do apartamento funcional por benfeitoria realizada no imóvel”, diz a nota.

Como adiantou o colunista Lauro Jardim, os advogados de Zambelli conseguiram firmar um entendimento junto à Quarta Secretaria, comandada por Sergio Souza (MDB-PR), para que o apartamento seja entregue no “prazo máximo” de dez dias.

A defesa da parlamentar alega que ela só tomou conhecimento sobre o prazo de devolução em função do licenciamento do mandato após a publicação de uma reportagem do blog no último dia 4 e que, no período, ela não havia sido notificada nem mesmo através de seus procuradores e advogados.

Com isso, Rita e João Zambelli terão de se mudar do apartamento. Eles já viviam com a deputada antes dela deixar o Brasil no fim de maio, mas permaneceram no imóvel após a fuga para o exterior e, conforme publicamos no blog, ainda ocupavam o apartamento até pelo menos a última segunda-feira (7).

Caso as regras da Câmara sejam cumpridas à risca, a deputada pode já ter acumulado até esta sexta-feira mais de R$ 6 mil em multas e indenizações que, em tese, devem ser impostas pela Casa durante sua fuga.

Zambelli completou na semana passada um mês foragida da Justiça após anunciar em uma entrevista que deixou o Brasil para escapar da iminente execução da pena de prisão sentenciada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A parlamentar segue na mira da Interpol e da Polícia Federal (PF). Sua última localização conhecida pelas autoridades é a região metropolitana de Roma, na Itália.

A deputada fugiu depois de ser condenada pelo Supremo a dez anos de prisão e à perda do mandato por envolvimento na invasão dos sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), junto com o hacker Walter Delgatti. Com a condenação, ela ficou inelegível por oito anos.

Devolução de apartamento
As regras da Câmara dos Deputados preveem que os imóveis devem ser entregues 30 dias a partir do licenciamento por motivos particulares, o que no caso da parlamentar do PL foi protocolado no dia 5 de junho, conforme a própria Casa confirmou à equipe do blog na semana passada.“O prazo para a desocupação de imóvel funcional é de 30 dias a partir da data da licença para tratar de interesse particular, o que ocorreu a partir do dia 5 de junho. Antes dessa data, a deputada Carla Zambelli estava de licença para tratamento de saúde. Portanto, o imóvel deverá ser desocupado até o dia 4 de julho”, informou a nota da Câmara na ocasião.

Na última segunda (7), a assessoria da instituição reiterou que “o valor da indenização será calculado com base no auxílio-moradia e cobrado proporcionalmente aos dias de ocupação”

Nós estivemos no prédio onde vivia a parlamentar em duas ocasiões: na primeira, no último dia 3, o filho da deputada atendeu o interfone sem se identificar como seu parente. João Zambelli informou apenas que a mãe da parlamentar vivia no local, mas se recusou a dar entrevista e a esclarecer se o imóvel seria desocupado no prazo correto. Na segunda visita, no dia 7, ninguém retornou o contato da equipe do blog, mas confirmamos junto a fontes que ele e a avó ainda residiam na unidade.

O apartamento funcional de Zambelli fica em um edifício de seis andares na 311 Asa Sul, bairro nobre de Brasília – o ministro Alexandre de Moraes, que determinou a sua prisão, morava até recentemente em uma quadra vizinha, na 312 Sul, a apenas 900 metros dali.

Apenas deputados vivem no prédio em amplas unidades que têm área de aproximadamente 250 metros quadrados.

A Câmara dispõe de 432 apartamentos em Brasília, além de outros 15 imóveis classificados como reserva técnica. Quando as unidades foram construídas, nos anos 70, a Casa tinha 420 parlamentares – mas atualmente tem 513, número que saltará para 531 a partir de 2027. Por esse motivo, há um gargalo que provoca uma fila de espera preenchida a partir de diferentes critérios técnicos. Quem não for contemplado tem direito ao auxílio moradia.

O site da instituição costuma disponibilizar a relação de parlamentares ocupantes de imóveis funcionais fora do prazo de desocupação. Mas a última atualização da página ocorreu no último dia 4, motivo pelo qual Zambelli ainda não figura na lista.

Fuga
Como mostramos no blog, a deputada completou na última quinta-feira (3) um mês foragida da Justiça após anunciar em uma entrevista que deixou o Brasil para escapar da iminente execução da pena de prisão sentenciada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A parlamentar segue na mira da Interpol e da Polícia Federal, que tentam rastrear seu paradeiro na Itália.

A deputada fugiu depois de ser condenada pelo Supremo a dez anos de prisão e à perda do mandato por envolvimento na invasão dos sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), junto com o hacker Walter Delgatti. Com a condenação, ela ficou inelegível por oito anos.

Oficialmente licenciada do mandato, Zambelli deixou o Brasil em 25 de maio pela fronteira do país com a Argentina em Foz do Iguaçu (PR), onde não há controle migratório. Em Buenos Aires, a parlamentar então embarcou para os Estados Unidos, de onde anunciou a fuga no dia 3 de junho.

No dia seguinte, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva da deputada, a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), pela fuga do Brasil.

Em solo americano, Zambelli antecipou que viajaria para a Itália por acumular a cidadania do país europeu, onde julgou que estaria “intocável” diante da caçada das autoridades policiais. Mas a inclusão de seu nome na lista do alerta de difusão vermelha da Interpol abriu caminho para uma eventual prisão, mesmo com o passaporte italiano. (Com Malu Gaspar/O Globo)