Policial

PF mapeia rede de espionagem russa na AL após prisões no Brasil

A CNN detalha com exclusividade investigação da Polícia Federal que descobriu dez espiões disfarçados em 2022 no Brasil






A PF (Polícia Federal) descobriu uma complexa e extensa "fábrica de espiões russos" no Brasil, com um esquema que foi ampliado e espalhado pela América Latina, tendo o Brasil como base de apoio por pelo menos 12 anos.

Dez pessoas investigadas foram descobertas em 2022, e ainda há um deles sendo investigado, em 2025, por uso de documentos falsos. Os espiões são suspeitos de usar o Brasil como território neutro e repassar informações de interesse à Rússia.

Segundo as investigações na Diretoria de Inteligência da PF, a rede utilizava disfarces inusitados. Um dos espiões atuava como dono de uma joalheira em Brasília; outro era um estudante e apaixonado pelo forró em São Paulo; enquanto uma outra atuava como modelo.

Sob reserva, investigadores explicaram à reportagem que eles criaram vidas e personagens críveis para ter histórico forte e serem aceitos em outros países como se fossem brasileiros.

Nove deles, incluindo dois desses citados acima, já saíram do Brasil, após serem descobertos, menos um: Sergey Vladimirovich Cherkasov.

O caso dele começou em São Paulo no início de 2022. Ele morava na capital paulista desde 2010 e se apresentava como Victor Muller com diversos documentos falsos, até ser preso tentando desembarcar em Amsterdã, na Holanda, e ser devolvido ao Brasil, em 2022.

O governo holandês devolveu Sergei após ele ter apresentado passaporte brasileiro falso para trabalhar no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Voltando ao Brasil, foi preso por uso de documento falso. Com ele, a PF encontrou outros registros falsos e logo depois abriu outro inquérito por lavagem de dinheiro e espionagem.

A PF aponta, na investigação, que a intenção dele era conseguir acesso a informações sobre a Rússia no tribunal penal. O país comandado por Vladimir Putin não faz parte do órgão, e o presidente tem um mandado de prisão em aberto por crime de guerra de deportação ilegal de crianças de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia.

O espião passou nove meses em uma cela da Polícia Federal de São Paulo até ser transferido para a Penitenciária Federal em Brasília, onde permanece. A investigação levantou documentos, imagens e áudios que apontaram a ligação dele com a rede.

Em algumas mensagens, ele avisa a superiores na Rússia que vai trabalhar no Tribunal Penal Internacional e também recebe a quantia de R$ 35 mil. O material foi levantado com base em quebras de sigilo bancários e documentos encontrados no celular do russo. O inquérito diz que ele recebia dinheiro de funcionários do governo russo no Brasil para se manter, afinal, não tinha trabalho.

A partir de Sergei e sua ligação com outros contatos, a investigação foi ampliada. A PF também mapeou que outros espiões no Brasil tinham apoio do consulado russo no Rio de Janeiro e da Embaixada da Rússia em Brasília. Um dos investigados era adido comercial no consulado e foi embora antes de prestar depoimento à PF.

Rede usou outros países da América Latina
Após três anos, a investigação sobre essa rede continua na sede da PF em Brasília, e há um detalhe até então inédito. A PF tem informações que os espiões usaram não só o Brasil, mas também outros países da América Latina como base, como Argentina e Venezuela. Todos com as mesmas características, mas muitos deles não são encontrados por conta do uso de documentos falsos.

Um casal russo, com filhos argentinos, foi descoberto em 2023 com o disfarce que lhes permitiu entrar na Eslovênia, país da União Europeia e membro da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Ao voltar para a Rússia, foram recebidos com buquê de flores no aeroporto por Vladimir Putin.

Em outra frente, a PF tem informações de inteligência de que houve envio de espiões da Rússia para a Venezuela em aviões diplomáticos. E apura se um deles, inclusive, passou pelo Brasil.

Sobre o caso, o Itamaraty informou à CNN que monitora a situação, mas não comenta publicamente casos dessa natureza, tendo em conta seu caráter sigiloso.

Após três anos preso, Sergei, que está na penitenciária de segurança máxima, passou a ser disputado por dois países. A Rússia pediu sua extradição com base em um documento em que ele seria foragido por tráfico de drogas, algo que a PF contesta a autenticidade.

Por outro lado, os Estados Unidos também pediram sua extradição porque ele morou em solo norte-americano e a CIA [agência de inteligência] aponta que ele também praticou espionagem para a Rússia.

A investigação da PF teve troca de informações com outros países além dos EUA, como Austrália e Portugal.

Com essa extensa e robusta investigação com apoio da CIA, a PF acredita que esses espiões não vão mais trabalhar no exterior, pois tiveram as identidades expostas. Essa rede foi descoberta, mas a polícia diz que outros suspeitos ainda devem ser investigados, mesmo com as dificuldades de serem encontrados.

E nesse quebra-cabeça, Sergei Cherkasov é classificado como o ponto de chegada e a única ponta solta. Para a Polícia Federal, se ele for extraditado toda investigação pode ir por água abaixo.

Sobre esse ponto, o Itamaraty informou que o assunto está sob responsabilidade do Poder Judiciário, no caso o STF (Supremo Tribunal Federal). (Com CNN - SP e Brasília)