Vasyl estava a vários quilômetros dentro do território russo quando ouviu o zunido de um drone carregado com explosivos se aproximando. Ele teve segundos para reagir.
“Foi muito rápido. Corremos para as árvores e então houve uma explosão a um metro ou dois de mim”, disse o soldado ucraniano.
“Olhei para baixo e vi que tinha pedaços do drone na minha perna. Não sabia o que estava acontecendo, então coloquei um torniquete e tentei sair”, contou Vasyl – codinome Abelha – à CNN em Sumy, cidade no norte da Ucrânia onde ele está se recuperando de seus ferimentos.
Kiev lançou sua incursão surpresa na região de Kursk, na Rússia, no mês passado, pegando Moscou de surpresa e avançando rapidamente cerca de 30 quilômetros a partir da fronteira. No entanto, a campanha desacelerou e, na quinta-feira (12), o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, confirmou que a Rússia havia lançado “ações contraofensivas”.
O Ministério da Defesa russo afirmou que as forças russas haviam “penetrado” na região de Kursk, capturando 10 assentamentos.
Nos dias que antecederam esse contra-ataque, a CNN conversou com 14 soldados ucranianos de cinco diferentes unidades que foram implantadas em Kursk como parte da incursão. Quatro ficaram feridos na operação e estão se recuperando em hospitais na Ucrânia, enquanto os outros 10 continuam em missões na Rússia.
Entre eles estavam soldados de infantaria, membros de uma unidade de drones, motoristas de veículos blindados e sapadores, ou engenheiros de combate da linha de frente. A maioria pediu para permanecer anônima ou ser identificada apenas pelo primeiro nome e codinome, dada a natureza sensível do assunto e as preocupações com a segurança.
Todos os 14 disseram que a contraofensiva em Kursk foi uma operação difícil, com taxas de baixas comparáveis a outras partes das linhas de frente. Eles disseram que estava ficando mais difícil, cinco semanas depois, e alguns até questionaram a decisão de lançar a incursão em um momento em que a Ucrânia estava lutando para defender cidades e vilas importantes no leste do país.
“Vai ficar cada vez mais difícil. Haverá mais fogo de artilharia, mais soldados e haverá batalhas muito grandes e difíceis, mas devemos fazer tudo o que pudermos para melhorar nossa posição – a Ucrânia quer paz, mas paz quando vencermos, não quando perdermos”, disse Vasyl.
“A Rússia está enviando muitas tropas e artilharia (para Kursk). Temos muitos companheiros que foram mortos e muitos equipamentos destruídos”, acrescentou ele.
Autoridades ucranianas disseram que Moscou enviou cerca de 30 mil soldados para a região de Kursk. Dois oficiais com conhecimento da situação disseram que esses reforços incluíam soldados da agora dissolvida Wagner Private Military Company, que os oficiais acreditavam terem sido redirecionados da África ocidental.
Os mercenários do grupo Wagner deveriam ser oficialmente incorporados ao exército russo após a morte do chefe, Yevgeny Prigozhin, no ano passado. Mas os soldados ucranianos que operam em Kursk disseram que os combatentes do Wagner se distinguem do restante das tropas russas porque têm equipamentos muito melhores e são mais bem treinados do que os soldados regulares.
O líder checheno Ramzan Kadyrov também afirmou logo após o início da incursão que a unidade de forças especiais chechenas Akhmat estava na área.
Dmytro, comandante de Vasyl, que supervisiona o batalhão ucraniano Nightingale, disse à CNN que sua unidade também encontrou bandeiras e insígnias do Wagner na área – algo que outros soldados também confirmaram.
Embora a Rússia tenha conseguido recuperar o controle de alguns pequenos assentamentos nos últimos dias, a Ucrânia ainda controla a vasta maioria do território que tomou nos primeiros dias da incursão, segundo uma avaliação do Instituto para o Estudo da Guerra, um grupo de monitoramento de conflitos baseado nos EUA.
“Conquista tática”
A operação de Kursk deu aos ucranianos um enorme impulso moral, sendo o primeiro grande ganho estratégico de Kiev desde a libertação de Kherson em novembro de 2022. Quase todos os soldados com quem a CNN conversou disseram que dar à Rússia uma amostra de seu próprio veneno valeu a pena.
“Foi uma sensação boa. A Rússia é um dos maiores países em território, em população, no tamanho de seu exército. E eles têm bombas nucleares. Nós não temos muita gente e estamos em guerra há 10 anos, desde que a Rússia nos atacou e ocupou algumas partes das regiões de Luhansk e Donetsk”, disse Vasyl, referindo-se ao apoio de Moscou aos separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia em 2014, quando a Crimeia também foi ilegalmente anexada pelo Kremlin.
“E agora vemos que, mesmo depois de todo esse tempo, podemos atacar o território (da Rússia) e dizer ao mundo todo: ‘Não tenham medo. Sejam corajosos. Sejam fortes e inteligentes’”.
Dmytro, cujo codinome é Kholod – ou Frio, em ucraniano – deu uma avaliação simples: “P***a, sim! Essa é a sensação quando vi nossos tanques atirando nas posições russas. Eles levantaram as mãos, capturamos muitos prisioneiros”.
Em uma entrevista exclusiva à CNN na semana passada, o comandante-chefe da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, deu a explicação mais detalhada até agora sobre a lógica por trás da incursão.
Ele disse que o objetivo era impedir que a Rússia usasse Kursk como plataforma de lançamento para uma nova ofensiva, desviar as forças de Moscou de outras áreas, criar uma “zona de segurança” e evitar o bombardeio transfronteiriço de civis, capturar prisioneiros de guerra e – de fato – aumentar o moral das tropas e da nação ucraniana como um todo.
Zelensky, por sua vez, disse que outro objetivo da operação era mostrar aos aliados ocidentais de Kiev que, com o apoio certo, seu exército pode reagir e eventualmente vencer a guerra.
A Ucrânia tem estado sob pressão em sua frente oriental durante a maior parte deste ano e ainda está lutando para se recuperar dos enormes reveses causados pelos atrasos na entrega da assistência militar dos EUA no inverno passado e na primavera.
A ofensiva de Kursk, que surpreendeu até alguns dos aliados mais próximos da Ucrânia, foi aclamada por oficiais ocidentais. No sábado (7), o diretor da CIA, Bill Burns, a chamou de “uma conquista tática significativa”. “Isso não apenas aumentou a moral ucraniana, mas também expôs algumas das vulnerabilidades da Rússia de Putin e de seu exército”, disse Burns, falando em Londres.
Uma grande vitória palpável era muito necessária e bem-vinda na Ucrânia. Mas os soldados envolvidos na operação, que falaram com a CNN, disseram que foi uma empreitada difícil.
Um soldado, com o codinome Fin, disse que as fortificações da Rússia foram muito bem construídas, combinando diferentes tipos de medidas defensivas – como, por exemplo, colocando minas debaixo dos obstáculos antitanque conhecidos como “dentes de dragão”.
Ele disse que toda a sua equipe – quatro homens com anos de experiência – estava completamente exausta. Eles estavam entre as primeiras unidades a cruzar para a Rússia, encarregados de desminar e desmontar as defesas antes que as unidades de infantaria e artilharia ucranianas chegassem. Passaram duas semanas em Kursk, trabalhando sem parar, dormindo apenas algumas horas aqui e ali, sempre em alerta.
Houve muitas baixas, disseram eles. Um soldado apontou para suas botas e disse que se poderia “coletar muitas amostras de DNA” delas. “DNA ucraniano, infelizmente”, disse ele.
Fin comentou que o fato de estarem operando em território estrangeiro, em uma área que não conheciam, tornou a missão excepcionalmente desafiadora. A maioria das unidades envolvidas na operação de Kursk foi realocada de outras partes da linha de frente, de áreas que haviam conhecido muito bem nos últimos dois anos e meio.
Um membro da tripulação de um veículo blindado de transporte de pessoal (APC) que transportava tropas de infantaria ucranianas pela região de Kursk contou à CNN que sua unidade foi enviada de Chasiv Yar, na linha de frente oriental, onde ele poderia “dirigir vendado de uma posição para outra”. Em Kursk, ele e sua equipe se perderam.
“Acabamos indo para (a cidade russa de) Sudzha, onde tivemos que esperar nosso comandante nos encontrar”, disse ele, acrescentando que a visibilidade ruim e a falta de conhecimento do terreno tornaram a navegação extremamente difícil. Várias unidades disseram à CNN que a navegação e a comunicação entre as unidades e seus comandantes foram um grande problema em Kursk.
Com os sinais de GPS e celular bloqueados, os ucranianos estão contando com o serviço de internet Starlink. Mas eles estão descobrindo que o serviço não funciona em certas partes da região de Kursk.
O tripulante do APC disse que essas interrupções nas comunicações significavam que não podiam contatar seu comandante por muitas horas.
A área tem enfrentado uma seca há vários meses, e a terra está agora muito seca, o que torna ainda mais difícil a movimentação de veículos pesados, que levantam muita poeira. O membro da tripulação do APC e seu comandante conversaram com a CNN no norte da Ucrânia, onde estavam se recuperando de ferimentos que disseram ter ocorrido quando dois veículos blindados ucranianos colidiram devido à visibilidade extremamente ruim e à falta de sinal de navegação.
Se a linha de controle permanecer em grande parte inalterada, a batalha na região de Kursk pode começar a se assemelhar a partes da linha de frente no leste da Ucrânia, com ambos os lados cavando trincheiras e lutando ferozmente por cada palmo de terra.
Um sapador disse que a missão de sua unidade em Kursk mudou drasticamente recentemente. Ele falou com a CNN em uma pequena aldeia do lado ucraniano da fronteira, após voltar de uma missão particularmente extenuante.
“Se fosse fácil, você não veria os veículos de evacuação médica subindo e descendo a estrada”, disse um soldado à CNN enquanto descansava do lado ucraniano da fronteira.
Há poucas semanas, ele e sua equipe estavam removendo defesas russas e limpando campos minados para permitir que a infantaria ucraniana avançasse mais para dentro da Rússia. Agora, disse ele, eles estão fazendo o oposto: colocando minas e preparando defesas para impedir que as tropas russas avancem novamente.
Controle seu medo
Como todos os soldados com quem a CNN falou, Vasyl e seu comandante, Kholod, não faziam ideia de que acabariam indo para a Rússia quando foram realocados para a região de Sumy, vindos de Pokrovsk, no leste.
“Todos nós achávamos que os russos viriam para cá, porque não tínhamos muito tempo. Houve uma reunião e meu comandante me disse que precisávamos estar em Sumy em três dias”, disse Kholod.
“E então, no dia em que tudo começou, eu estava em uma reunião com outros comandantes, e eles me mostraram o mapa e me disseram o que iam fazer, para onde iam dirigir, onde iam emboscar, e eu entendi que estávamos indo para a Rússia”.
Falando à CNN, Vasyl disse que não pensava muito na missão – ou no fato de ter se ferido nela – preferindo permanecer no presente.
“Esta é a guerra. Somos soldados e devemos fazer tudo o que pudermos para proteger nosso país. Isso faz parte de um grande plano e eu não questionei por que estou aqui”.
Sentado em um banco em Sumy, com a perna enfaixada esticada e uma agulha de soro saindo de perto do cotovelo, Vasyl disse que a linha de frente estava repleta de drones russos explosivos no dia em que foi ferido. “Os caras de outra unidade passaram e eu disse para eles terem cuidado porque era como uma carnificina de drones lá… e naquele segundo, bang”, disse ele, acrescentando alguns palavrões.
Seus companheiros disseram que ele teve sorte de sobreviver. Kholod, um dos primeiros a chegar até ele após a explosão, elogiou sua calma após o ataque.
Vasyl disse que essa era apenas a sua natureza. “O mais importante quando você está com muito medo é ter controle. Se você pode controlar o seu medo, tudo ficará bem”, disse ele.
Os médicos disseram que era muito arriscado remover alguns dos fragmentos de estilhaços.
“O médico disse que os pedaços vão ficar no meu corpo, eles são muito difíceis de remover, é melhor que fiquem. Eu disse: ‘OK, OK, você é o médico'”, contou Vasyl à CNN, sem dar muita importância à ideia de viver o resto da vida com restos de explosivos russos presos dentro dele.
“E daí”, acrescentou. “Eu não vou me tornar russo por causa desses pedaços. Não funciona como com vampiros!”.
CNN Brasil